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VIAGENS DE ANTONIO MIRANDA PELO BRASIL
VOOS INSÓLITOS
13-04-1991
O voo das 15 horas da VASP para Belo Horizonte estava atrasado por motivos técnicos. Meia hora. Para quem, como eu, chegou uma hora antes, conforme as horas estabelecidas, o atraso começava a irritar.
Uma hora depois e nada, nem sequer um novo aviso. Às quatro e trinta ainda estávamos na sala de espera, esperando Godot... Corriam boatos de chuvas, em seguida informaram que o voo 037 estava cancelado. O avião ia ficar estacionado esperando reparo. Os passageiros que ainda quisessem viajar poderiam fazê-lo pela Transbrasil, às 18 horas.
Protestos silenciosos, ou interiores...Todos tinham pressa, compromissos, gente esperando no aeroporto de destino, negócios inadiáveis... Aí foi quando determinaram o nosso embarque imediato no voo da própria VASP, das 17 horas, para o Rio de Janeiro.
Ao pé da escada não sabíamos ao certo para onde iríamos. Rio de Janeiro, e de lá voltar para Belo Horizonte? Não.
O voo faria escala “forçada” na capital mineira para deixar-nos. Insólito!
Os passageiros que iam para o Rio de Janeiro protestaram. Haviam optado por um voo direto e agora queriam impor-lhes uma rota não convencional. Um senhor jogou-se no chão, para impedir a entrada dos “intrusos”. Piquetes foram formados para obstruir as passagens dos passageiros...
A tripulação achou por bem abandonar a nave... Pediam compreensão, solidariedade, mas a maioria não queria colaborar... Voltamos para a sala de espera. Minutos depois a aeromoça (agora intitulada “comissária de bordo”) depois que acabou o “machismo” que obrigava o posto para jovens bonitas, hoje ficam até à meia idade e não à velhice) acenou para que voltássemos à pista. Haviam cedido, concordavam com o embarque. Logo houve nova resistência e ficamos ao sol, ao pé da escada, esperando uma decisão que não vinha...
Acabamos voando no fim da tarde, pela Transbrasil. Os passageiros do Rio de Janeiro também saíram atrasados...
A quem teria cabido a infeliz ideia da escala forçada?!
Andando tanto de avião com “ando” (ando?), tenho assistido cenas insólitas como essa...
Uma delas foi pela Transbrasil, à época da Constituinte. O avião estava prestes a decolar. Muitos políticos iam ao Rio de Janeiro para a posse do governador Moreira Franco...
Um homem de meia-idade, bem vestido, com mechas brancas no cabelo, fez uma piada de mal gosto:
— Ei, pessoal, apertem o cinto. Na Transbrasil a gente nunca sabe quando sai e muito menos quando chega!
Os colegas riram. Mas o comandante da aeronave, que estava de pé à porta da cabine de comando... o homem ficou vermelho, perturbado. Ordenou que o homem deixasse o avião, imediatamente. Instaurou-se uma discussão acerbada. Alguns passageiros fizeram discursos em defesa da liberdade de expressão. Os comissários de bordo, nervosos, tentavam cumprir a ordem de desembarcar o passageiro humorista. O comandante sentia-se ofendido e invocava sua autoridade no recinto da aeronave, autoridade que teria sido avacalhada gratuitamente. Tornou-se uma questão de honra.
Ou sai o passageiro, ou não sai o avião.
Instaurou-se um acalorado debate ao pé da escada. A deputada Sandra Cavalcanti foi invocada para intermediar o conflito. Foi ao aeroporto, seguida de outros líderes e populares, reclamar junto à própria Transbrasil. Ouvi lá que o regulamento era claro: a responsabilidade pela disciplina dentro do avião era da alçada exclusiva do comandante.
A Constituinte começou sua sessão ali mesmo, dentro e fora do avião!... Passageiros exaltados tachavam a atitude do comandante de autocrática, imperial, fascista, autoritária, própria da ditadura e do militarismo arraigado na cultura civil, dejeto próprio para a lata de lixo da história. Afinal, estávamos vivendo a restauração da Democracia no Brasil...
Metade dos passageiros aderiu ao movimento pró-liberdade de expressão, contra o arbítrio.... Um a um foram descendo a escada, os primeiros com manifestações de desagravo, outros mais discretamente, os últimos sem muito entusiasmo.
O passageiro pivô do rififi permaneceu calado, em seu canto, meio assustado, até que uns policiais vieram buscá-lo! Ele saiu constrangido.
O comandante, possesso de raiva, transfigurado e nervoso, mandou fechar a aeronave, e partiu com os passageiros remanescente. Foi uma viagem tensa.
Ainda mandei uma carta de protesto à companhia de aviação, julgando que a atitude do comandante havia sido extremada... Tinha até razão, mas bem que poderia ter sido mais flexível e, sobretudo, deveria ter perguntado se ainda queríamos viajar... De fato, como vaticinaria o homem da piada, na Transbrasi, a gente não sabe quando sai e muito menos quando chega, porquanto cheguei atrasado para o meu compromisso... E com muito medo de que o comandante, exacerbado, naquele nível de adrenalina, nos levasse para o infinito...
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